quarta-feira, 15 de abril de 2009

GOD SHAVE THE QUEEN

God shave the Queen
Antônio Ribeiro
Em 1968, um pouco antes da edição do famigerado AI-5 pela ditadura militar, a rainha Elizabeth II da Inglaterra, visitou São Paulo.
Com a presença da monarca, inaugurou-se a nova sede do MASP, em 7 de novembro de 1968, na Avenida Paulista.
Hospedada em um hotel próximo, a rainha Elizabeth II teria que passar defronte a um prédio situado na Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, para se dirigir ao local da festividade.
Naquele prédio, havia vários andares vagos para alugar.
Celso, auxiliar contábil em uma empresa de publicidade, era antimonarquista por excelência.
Acordara bem disposto, na antevéspera da passagem da comitiva real. Admirando os raios solares que penetravam pela janela, resolveu protestar contra a visita da rainha.
Depois de muitas conjecturas, bolou faixa com os dizeres: God shave the Queen.
O plano de elaboração da faixa foi exposto a Miguel, refugiado da ditadura salazarista, desenhista na mesma empresa em que Celso trabalhava.
Todavia, o inglês macarrônico de Celso deu a entender que seria escrito save, causando indignação no desenhista.
— “Não gosto de padres, reis e rainhas, portanto não o ajudarei na homenagem”, protestou Miguel.
Conhecedor da precariedade de seu inglês, Celso escreveu a frase em um papel. Esclarecida a situação, Miguel elaborou com capricho a faixa.
Mas, como colocá-la em um dos andares vazios do prédio?
Os beleguins da ditadura militar estavam a postos, e agiriam com presteza, não tinha dúvida.
Miguel colocou em prática uma idéia que considerou brilhante: foi ao Largo do Paiçandú, em um bar freqüentado por biscateiros.
Indagou se alguém aceitaria fazer bico.
O negro Sebastião, mestre-sala da Escola de Samba Nenê de Vila Matilde topou, recebendo a proposta:
— Dou-lhe agora quarenta cruzeiros em dinheiro. Você entrega vinte cruzeiros ao zelador do prédio situado na Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, 1833, para que ele permita a colocação desta faixa em homenagem à rainha da Inglaterra.
— E o inquilino, doutor?
—Coloque-a em um dos conjuntos vagos.
— Receberei só vinte cruzeiros, doutor?
— Darei mais trinta cruzeiros, quando o serviço estiver pronto.
“Onde vou receber o restante do dinheiro”, indagou Sebastião.
—Mando um portador entregá-lo a você, aqui neste bar.
(O jovem informou que se chamava Plínio, e morava na cidade de Jundiaí).
Sebastião colocou a faixa no décimo andar, à vista da rainha. Quando a monarca desfilou em carro aberto, a polícia ficou atônita, mas não agiu de imediato.
No dia seguinte, vários agentes da polícia política desceram das viaturas. Dirigiram-se prédio, onde prenderam o zelador Leôncio.
Depois, retiraram a faixa do décimo andar.
Encaminhando ao Dops, o delegado de polícia de plantão interrogou o zelador:
—Porque ofendeu a rainha?
—Não ofendi doutor. “Nem conheço a mulher”, respondeu Leôncio.
— Não minta comunista safado!
—Doutor, a única rainha que conheço é a Zilda, da escola de samba que freqüento.
(Um dos policiais, que dava garantia ao delegado, meteu a mão nas fuças do preso folgado).
—Você sabe o que está escrito naquela faixa?
“Joaquim, da Escola de Samba Vai-Vai, informou que era homenagem à rainha. Pagou-me vinte cruzeiros, e permiti que a faixa fosse colocada no décimo andar”, explicou Leôncio.
—Pode informar o endereço do Joaquim?
—“Nunca tinha visto ele” antes. A primeira vez foi quando ele foi ao prédio, dizendo que era o Joaquim da Escola de Samba Vai-Vai do Bexiga, pedindo para colocar a faixa em homenagem à rainha. “Se mal sei escrever meu nome”, como iria entender língua das estranjas?”, aduziu Leôncio.
“Imbecil, aqui está escrito “Deus barbeie a rainha”, informou o delegado, que tinha a faixa aberta em seu gabinete.
—Doutor, nem sabia que a mulher tinha barba!
O delegado de polícia inteligente (existem!), percebeu que estava tratando com sujeito bronco.
Pediu aos policiais militares a aplicação de cacete maneiro em Leôncio, e depois o soltou.

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