Depois de divulgados os finalistas da primeira edição do Prêmio São Paulo de Literatura, que contemplará com R$ 200 mil o vencedor de cada categoria – Melhor ficção de 2007 e Melhor Ficção de autor estreante de 2007, começaram a surgir irregularidades. O edital do concurso reza que deveriam ser selecionados dez finalistas em cada categoria. O juri modificou as regras e prejudicou vários concorrentes. Mas, o problema maior é que não foi obedecida a regra para a escolha dos autores estreantes, tendo sido contemplados os seguintes livros e autores:
Casa entre vértebras – Wesley Peres – Editora Record, A chave de casa – Tatiana Salem Levy – Editora Record, Desamores – Eduardo Baszczyn – Editora 7 Letras, Estado vegetativo – Tiago Novaes – Editora Callis, Lugares que não conheço, pessoas que nunca vi – Cecilia Giannetti - EditoraAgir.
O escritor Tiago Novaes, autor de Estado Vegetativo, publicou em 2004 o livro de contos (ficção) intitulado “Subitamente Agora”, pela Editora 7 Letras.
Com financiamento da Secretaria da Cultura de São Paulo, escreveu o romance classificado, que foi editado por outra empresa.
Wesley Peres (aliás, Wesley Godói Peres), também não é estreante, haja vista que escreveu “Águas Anônimas”, publicado em 2002. Em 2003 lançou a obra “Revoando”, pela Editora da Eca USP.
O item 2.4. do Edital do concurso literário, diz:
“Para concorrer ao Prêmio de Melhor Livro do Ano – Autor estreante do Ano de 2007, o livro deverá ter sido escrito por autor que não tenha outro livro de ficção publicado”.
No que concerne aos dois autores classificados, o regulamento não foi obedecido, porque editaram outros livros de ficção (contos e poesia se encaixam na categoria, conforme os melhores tratados de Teoria Literária).
Provavelmente, o Poder Judiciário, provocado através de mandado de segurança, terá que se manifestar acerca das ilegalidades cometidas.
quinta-feira, 30 de outubro de 2008
FANTASMA DO XAXADO
FANTASMA DO XAXADO
Anthonny Ribb
Delciolina ou Delcí para os íntimos nasceu em 1938 na bonita cidade de Viçosa localizada próximo ao Piauí, a noroeste do Ceará.Anthonny Ribb
Em 1954 embarcou em um pau-de-arara, rumo a São Paulo.
Indicada à professora Telma pela prima Valdinete, que residia havia dez anos em São Paulo, a adolescente desqualificada profissionalmente foi admitida como doméstica, sem maiores problemas, a despeito de o marido da patroa ser mulherengo contumaz.
(As serviçais da casa não escapavam às suas cantadas, e com Delcí a professora Telma não corria perigo).
A cearense era mais feia que a morte, branquíssima, magérrima, de rosto agudo, cabelos crespos, corpo retilíneo e não aguçaria a libido de Marcos.
Ele apreciava as curvilíneas, pródigas no nordeste.
Por conta da falta de atributos físicos, Delcí jamais despertou a luxúria de qualquer homem. O leiteiro Valdir, seo Manuel da padaria, Osmar açougueiro e outros espécimes do sexo masculino, eram famosos conquistadores do bairro e Delcí lhes passou despercebida.
(A migração provocada pelas constantes secas no nordeste, trouxe à cidade de São Paulo a cultura popular daquela região, incluindo os bailes denominados forrós).
Ao completar dezoito anos a cearense passou a freqüentar forrós, onde permanecia sentada durante horas, porque não era convidada a dançar.
De madrugada a maioria das mulheres tinha se retirado do salão. Os homens semi-embriagados tiravam Delcí para dançar o xaxado, o ritmo preferido dela.
Devido à feiúra nada núbil, Delcí foi apelidada pelos freqüentadores dos bailes, de “Fantasma do Xaxado”.
Em 1956 a migrante matriculou-se em curso preparatório ao exame de madureza (o supletivo da época), onde permaneceu por três anos e meio, sem ser galanteada por qualquer dos inúmeros colegas.
(O tempo passou e a migrante permaneceu solteira).
Aos trinta anos Delcí se matriculou em faculdade particular recém criada, onde cursou Direito.
Formada, foi admitida aos quadros da entidade de classe dos advogados e começou a exercer a profissão, obtendo razoável êxito, deixando para trás as faxinas domésticas e a higienização dos bebês da professora Telma.
Comprou um fusca usado e o dirigia com a cabeça empertigada.
(Considerava-se a pessoa mais importante do planeta: de humilde passou a intratável).
Era freguesa cativa dos pacotes turísticos, viajando duas vezes ao ano na classe econômica de aviões fretados.
Sem sotaque, falava o autêntico paulistês e dizia que nasceu no interior de São Paulo. A farsa durou até o dia em que se defrontou com Raimundo, seu antigo par nos fins dos forrós.
Delcí comemorava o happy-hour em um bar freqüentado por advogados, juízes, promotores públicos e outros profissionais da área jurídica.
Ela participava de uma mesa com mais dez colegas, dentre eles veterana advogada defensora de valores ultrapassados.
A cearense havia adotado discurso estranho para quem a conheceu no tempo das vacas magras. Para os colegas, ela era filha de fazendeiros do rico interior paulista. Delcí criticava a tudo e a todos, principalmente os aviões brasileiros, com farpas para o cabeça chata Lula.
Nos tempos de penúria era mal ajambrada, com forte sotaque da terra de Iracema, porém sem o charme da virgem dos lábios de mel, embora conservasse a virgindade por motivos alheios à sua vontade.
Repentinamente saiu de uma mesa dos fundos do bar, Raimundo, velho colega de forrós de Delcí, que ao reconhecê-lo sentiu o chão sumiu ante seus pés.
Raimundo, que trajava bem cortado terno de tropical inglês, a cumprimentou:
-Como vai, senhora?
-Senhorita, por favor!
-Desculpe. Esqueci seu nome.
-Doutora Delcinete, a seu dispor.
-Muito me satisfaz vê-la bem.
-Perdoe-me, mas qual é seu nome?
-Raimundo Nonato da Silveira Ramos Bisnetto, seu criado!
-Ah sim, lembrei-me, você é peão de obras. Este bar é caro, somente freqüentado por doutores como eu!
-Há trinta anos deixei a profissão, estudei e exerço outra atividade.
-Você é mestre de obras?
-Sou desembargador federal.
(Delcí corou-se mais e calou-se)
Raimundo foi gentil ao não chamá-la pelo apelido.
Percebeu que a antiga rejeitada dos bailes de peões se tornou pernóstica.
Ele morava em São Paulo há mais de trinta anos, conservava o sotaque cearense, além de cultivar a cultura de sua terra natal.
Deixou de lado os salamaleques, tirou um livreto de sonetos de cordel do bolso, e perguntou a Delcí:
- Sou poeta popular e preservo a cultura do nosso Ceará. A senhorita aceita um exemplar de meu último livreto, com dedicatória?
- Por favor, Excelência, me trate por Delcí e saiba que aceito com prazer o presente.
Aceitou porque o livro viria com dedicatória e assinatura de desembargador federal.
Jamais desconfiaria que fosse humilhada definitivamente.
Raimundo em tom jocoso e criativo escreveu em acróstico a dedicatória:
Distinta migrante nordestina,
Elevada a douto título!
Lembro-me de sua antiga sina,
Como era difícil o apodo
Ímpio de Fantasma do Xaxado!
Delcí leu a quadrinha lívida, enquanto Raimundo se despedia com sorriso maroto no lábios.
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